A integração da perspectiva de gênero na Educação para a Cidadania Global

21 abril 2021

O cenário global atual: uma oportunidade para a Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global

Nos encontramos diante de um contexto global claramente desafiador. A situação ocasionada pela COVID-19 ressaltou os desafios relacionados com a desigualdade e os direitos humanos e do meio ambiente que enfrentamos como humanidade, enquanto tornou manifesto o seu caráter global e interdependente.

Muito foi dito desde março de 2020 sobre a necessidade de sair desta crise fortalecidos, de aumentar a nossa resiliência e abordar a causa dos processos que sustentam a desigualdade, para originar transformações que evitem que se tornem crônicos. Isso não é possível sem fortalecer cidadãos críticos e comprometidos, que conheçam sua realidade global, e contem com as redes e recursos necessários para agir a favor da justiça social.

É por isso que se torna cada vez mais necessário trabalhar para promover uma Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global (EpDCG), entendida como um enfoque educacional que promove uma cidadania informada, crítica e comprometida, interconectada com pessoas e coletivos de todo o mundo, que seja capaz de construir a partir de seus contextos locais e do trabalho em rede. Uma sociedade transformadora na qual sejam estabelecidas relações globais justas e equitativas.

São muitas as organizações que, como a nossa, são conscientes do poder transformador desse enfoque educacional e estão há anos promovendo a sua adoção em diferentes âmbitos da educação formal e não formal. Na Entreculturas, esta experiência profissional nos leva a constatar que o desenvolvimento potencial da Educação para a Cidadania Global deve incluir certos paradigmas, como o da defesa do meio ambiente, descolonialidade, anti-racismo, e claro, o enfoque de igualdade de gênero.

As consequências em magnitude e globalidade da violência e a desigualdade de gênero em todo o mundo e sua centralidade como desafio global do nosso tempo fazem com que não possamos mais desenvolver um enfoque educacional que almeje empoderar os cidadãos para participarem de forma ativa na defesa dos direitos humanos e da justiça social, sem que a igualdade de gênero esteja centrada no coração de seu enfoque e prática educacional. A igualdade de gênero nos coloca diretamente no coração dos direitos humanos e da justiça social, e por isso, abordá-la é um dos requisitos imprescindíveis de qualquer processo de EpDCG. A Agenda 2030 demanda isso, incluindo a EpDCG na meta 4.7 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, que se refere à promoção de uma educação de qualidade, assim como um ODS específico, o de número 5, dedicado à igualdade de gênero.

A abordagem de coeducação nos processos de Educação para a Cidadania Global

Para colocar a igualdade de gênero no centro dos processos educacionais, contamos com a ferramenta da coeducação, entendida como a abordagem educacional que integra a perspectiva de gênero como eixo transversal de todos os elementos do processo de aprendizagem. Esta abordagem reconfigura todos os elementos dos processos socioeducativos, para que neles reine o princípio de igualdade e não discriminação por gênero.

Dessa maneira, a opção pelo enfoque de coeducação configura um tipo de educação comprometida com a construção de ambientes igualitários e pacíficos, através da adoção de perspectivas críticas sobre as relações de gênero. Questiona práticas sociais, papéis e estereótipos discriminatórios, promovendo assim o desenvolvimento livre e integral das potencialidades, interesses e capacidades das pessoas, assegurando que os direitos e o livre desenvolvimento da identidade sejam garantidos de maneira igualitária. Dessa forma, as novas gerações adquirem ferramentas para uma convivência pacífica, livre de discriminações e violências, abordando outros desafios globais, além daqueles diretamente relacionados à igualdade de gênero.

Para garantir que a coeducação se integre aos processos socioeducativos, o planejamento de todos os elementos do processo de ensino-aprendizagem deve ser realizado levando em conta a perspectiva de gênero. Para isso, aspectos como os objetivos educativos, conteúdos e material didático, metodologia, organização dos espaços, relações, linguagem, formação de educadores e educadoras, adoção de protocolos de prevenção e atuação sobre a discriminação e violência deverão ser planejados levando em conta esse aspecto. A incorporação do enfoque de coeducação transforma a experiência educacional na raiz, agindo como bloqueio da transmissão de preconceitos, estereótipos e papéis que sustentam as bases da discriminação e a desigualdade entre homens e mulheres no mundo todo.

Da teoria à prática: a experiência da Fundação Entreculturas

Na Entreculturas estamos há anos colaborando com os profundos efeitos transformadores da adoção de um enfoque de gênero através da ecoeducação dentro da Educação para a Cidadania Global. Fazemos esta promoção através da criação de material educativo, acompanhamento de escolas, educadoras e educadores, assim como promoção de programas de participação juvenil que conectam jovens de todo o mundo, como é o caso do programa de participação juvenil internacional Red Generación 21+, ou o programa La Luz de las Niñas. Este último está sendo desenvolvido desde 2012 em mais de 15 países, junto à Fe y Alegria, o Serviço Jesuíta para Refugiados e outras organizações, com o objetivo de promover o empoderamento de meninas, além de protegê-las e prevenir a violência no seu contexto. As intervenções que formam parte do programa (que já alcançaram mais de 32 mil meninas dos distintos países que nele participam) incluem não apenas o trabalho com as meninas, mas também com seus contextos educacionais, familiares e comunitários. Além disso, são complementadas com a campanha La Luz de las Niñas, que busca visibilizar as violências que elas sofrem e suas consequências, assim como agir sobre as causas e estruturas que perpetuam a violência, ao mesmo tempo em que contribui com seu empoderamento e proteção.

A experiência extraída de todas essas intervenções nos leva a afirmar que a Educação para a Cidadania Global é uma das ferramentas mais poderosas para gerar cidadãos mais capazes de liderar a transformação de nossos contextos locais e globais, em um momento em que são muitos os desafios que temos que enfrentar. Por outro lado, esta educação não pode ser verdadeiramente transformadora se não integrar a perspectiva de gênero de maneira transversal, quebrando as raízes que sustentam a desigualdade e minam o exercício dos direitos humanos da metade da população mundial. Os jovens têm isso cada vez mais claro, apontando este tema como um dos que gera maior interesse e se envolvem em processos de liderança e ação internacional pela igualdade de gênero em todo o mundo. É necessário escutar seu chamado e aceitar a oportunidade de trabalhar juntos e juntas no desafio de configurar os espaços socioeducativos como contextos chave na construção de sociedades mais igualitárias, livres de discriminações e violências.

O momento é agora.


Clara Maeztu Gomar – Área de Cidadania. Fundação Entreculturas.