Os quatro pés de uma mesa ou como preparar uma aula
Há aprendizados que não servem para nada
Um fato interessante aconteceu comigo quando eu tinha 14 anos. Eu estava na sala de aula e tinha à minha frente o professor Francisco, que terminou a aula e disse: “Olha, Juanjo, vou te dizer uma coisa que vai ser a solução da sua vida. Vou te dizer o que você precisa aprender para ter a vida resolvida”, e revelou: “O que você precisa fazer é aprender datilografia”. O pior é que ele disse a mesma coisa para minha mãe, e por isso passei três anos da minha vida brigando com uma Olivetti cinza, indo o ano todo à Rua del Codo, onde me davam um selo por ano. Depois desses três anos, eles me disseram: “Você já é um datilógrafo experiente”, de forma que vocês têm um datilógrafo experiente à sua frente.
Sabem para que isso me serviu?Para nada, não serviu para absolutamente nada em minha vida.Depois vieram os computadores e há pessoas que perguntam: “Você não escreve mais rápido no computador?”. Bem, a verdade é que não. O ensino tradicional defende um modelo de acumulação de conteúdos e não se concentra no que realmente é necessário saber.
Os quatro pés para preparar uma aula
Quando um professor prepara uma aula tradicional, o que ele faz é perguntar a si mesmo o que é que ele quer ensinar. Que ideias, que conceitos quero ensinar, e não se são importantes.
As aulas eram preparadas pensando-se em conceitos, mas as que permaneceram como uma recordação verdadeiramente enriquecedora não tiveram tanto a ver com isso. Gosto de dizer que uma boa aula ou a aprendizagem é como uma mesa.
Uma mesa que não tem um pé só… Normalmente, projetamos nossas aulas pensando em apenas um dos pés, o das ideias e conceitos, e essa é uma mesa de um pé só. Precisamos de mais pés, e acredito que, com quatro pés, ela se sustentaria:
- Um dos pés são as ideias e os conceitosque se deseja transmitir.
- Outro pé são os relacionamentos. Atualmente, aprendemos melhor em conjunto do que individualmente, e não precisamos de grandes teorias para entender isso; já sabemos que aprendemos como vivemos: de forma comunitária. Quando preparamos uma aula, não devemos pensar apenas em quais ideias queremos transmitir, mas também colocar sobre a mesa a seguinte questão: “O que vamos fazer juntos?”.
- Há outra parte que considero muito interessante quando se trata de preparar aulas, e que tem a ver com as emoções…Hoje, já sabemos que, se não existe um vínculo emocional com o conteúdo, esse conteúdo desaparece automaticamente da nossa cabeça.Como vou despertar emoções na preparação da minha aula? Como vou atender ao mundo emocional?
- Por fim, o último pé é o corpo,é agir, é fazer… É fazer não apenas no sentido físico, mas no sentido de fazer com as ideias, fazer com o que estou aprendendo.
Se planejamos nossas aulas com base nessa mesa de quatro pés, provavelmente, chegaremos mais perto de uma aprendizagem completa e equilibrada.
Você poderia me dizer agora mesmo quais são as famosas “asignaturas María” [N.T. “asignaturas maría” é um termo usado em espanhol para designar as matérias consideradas mais fáceis] no currículo? Educação física, artes plásticas e música. São as três clássicas, as que todo mundo fica satisfeito em fazer, e é necessário ter em mente que são as que possuem os quatro pés de que falamos em seu DNA. Todas trabalham com conceitos, mas também provocam emoções; nós as fazemos em conjunto e em todas elas também usamos o corpo.
Precisamos de novos métodos
É necessário nomear pelo menos algumas das características que acredito serem importantes no desenho dessas metodologias ativas. Quais características todas as propostas didáticas precisam reunir para que gerem realmente uma mudança no ensino, e não sejam apenas uma série de modismos que vão se sucedendo uns aos outros e em nada mudam o ensino?As propostas precisam ter uma utilidade concreta. Penso que isso, no desenho didático, significa aprender a fazer uma segunda pergunta quando preparamos as aulas:
De que forma isso será útil para o aluno?
Um professor de literatura pode chegar e dizer: “Pessoal, tenho aqui o livro da vida de vocês”, e complementa: “A Celestina“, ou “A Casa de Bernarda Alba“. É importante ler A Celestina; é importante ler A Casa de Bernarda Alba. Temos feito a primeira pergunta, porque ela é importante, mas não temos feito a segunda: Qual o lugar disso na vida do aluno? E essa realmente seria a chave que poderia, de fato, abrir as portas da aula.
O que aconteceria se eu chegasse um dia na sala e dissesse a esses adolescentes: “Ei, vocês conhecem algum programa de TV de fofoca?”. Depois de um debate sobre isso e fazendo as crianças perceberem que A Celestinaestá falando sobre uma realidade que eles estão vendo todos os dias nas telas da sala de estar. O que aconteceria se eu chegasse para a turma e, em vez de lhes dizer para ler esse outro livro, eu lhes perguntasse: “Como é seu relacionamento com a sua mãe?”. De que se trata A Casa de Bernarda Alba, senão de falar das dificuldades de comunicação entre as gerações de uma família? É importante saber onde está o aluno nisso tudo, qual a utilidade que esse conteúdo tem na sua vida real, para realmente entender seu ambiente e sua realidade. Penso que é um elemento importante… Não se trata de fazer artifícios com as novas metodologias, mas, sim, de buscar as características fundamentais e algumas outras que teriam a ver com a facilidade de criar conteúdo. Os alunos precisam criar conteúdo.
O texto anterior corresponde a um trecho da palestra oferecida por Juanjo Vergara no ESCUNI em abril de 2018, como consequência da realização do encontro ACTIVA organizado pela Fundação SM Espanha.
Juanjo Vergara é especialista em metodologias ativas. Pedagogo com especialização em Organização e Direção de Centros Educacionais. Especialista universitário em animação sociocultural e educação de adultos. Professor titular da especialidade de Intervenção Sociocomunitária. Professor em período de licença na Comunidade de Madrid. Mais informações