A importância da escuta para a apredizagem na Educação Infantil
Se incentivarmos os alunos a dialogar, falar e ouvir, e ouvirmos ativamente, contribuiremos para o desenvolvimento da sua autonomia. Facilitamos seu posicionamento e fazemos florescer seu senso crítico. Para que isso aconteça, o ideal é começar na Educação Infantil, para que essas competências sejam ancoradas e desenvolvidas ao longo da vida.
Atualmente temos discutido amplamente sobre o que Paulo Freire chamava de “pedagogia bancária”, quando um professor fala em frente a um quadro e os alunos, enfileirados, apenas escutam o que ele tem a dizer. Um modelo ultrapassado, mas que ainda encontra espaço para ser reproduzido em 2024.
Na Educação Infantil, esse diálogo tem avançado com mais facilidade, refletindo em algumas mudanças. Por exemplo, hoje muitos educadores já entendem que a Educação Infantil não é uma preparação para o Ensino Fundamental, mas sim uma etapa fundante no desenvolvimento das crianças.
Porém, ainda é um desafio no campo educacional colocar em prática a escuta das crianças, seja pelo tempo corrido, pelas altas demandas dos professores, ou por ainda não saberem como o fazer. Parar e escutar, ainda mais nos tempos acelerados em que vivemos, é difícil. Mas se não paramos e escutamos o que as crianças nos dizem, como desenvolver a afetividade, tão importante nessa etapa da vida? E como o cognitivo vai se desenvolver sem essa afetividade, tão fundamental para se estabelecer uma relação de confiança e parceria entre aluno-professora?
A importância da escuta
Escutar o outro é fundamental para se estabelecer relações, para se permitir ser afetado pelo que o outro traz e poder retribuir esse afeto. E esse “afetar” pode ser positivo ou negativo. Nesse momento, vale ao adulto leitor se questionar: de que forma estou afetando as crianças com que me relaciono? Positiva ou negativamente?
No presente artigo defende-se o afeto positivo, tendo em vista que ele só pode ser alcançado através de uma escuta atenta e sensível. Essa escuta exige de nós, educadores, um novo olhar acerca da infância, buscando compreender e valorizar toda a potência da criança.
Paulo Freire defendia uma “pedagogia do diálogo” e uma “pedagogia da autonomia”. Ambos os conceitos estão relacionados. Se as crianças são estimuladas ao diálogo, a falar e escutar, e se são escutadas em toda a sua potência, aos poucos isso possibilita que desenvolvam a sua autonomia. Que consigam se posicionar e fazer florescer o senso crítico. Para que isso aconteça, o ideal é começar na Educação Infantil, a base de tudo, para se desenvolver e perpetuar ao longo da vida.
É importante ainda dizer que “[…] sendo o diálogo uma relação eu-tu, é necessariamente uma relação de dois sujeitos. Toda vez que se converta o ‘tu’ desta relação em mero objeto, se terá pervertido o diálogo e já não se estará educando, mas deformando. ” (Freire, 2019, p. 151). Queremos alunos deformados? A resposta unânime provavelmente é – ou deveria ser – negativa. Queremos educar as nossas crianças para a vida, para serem seres pensantes e atuantes, capazes de refletir, questionar, lutar pelo que querem. Crianças que saibam ouvir, mas que também sejam escutadas porque compreendemos que sua voz tem importância.
A escuta e o afeto
Se valorizamos a criança e o que ela nos diz, desenvolvemos a afetividade. Entendo que “a afetividade seria a energia, o que move a ação […]” (La Taille, 2005, p. 79). Se é a afetividade que move a ação, sem ela não existe ação, portanto não existe aprendizagem. É o que defendia também Piaget:
É indiscutível que o afeto tem um papel essencial no funcionamento da inteligência. Sem o afeto não haveria nem interesses, nem necessidades, nem motivação; em consequência, as interrogações ou problemas não poderiam ser formulados e não haveria inteligência. O afeto é uma condição necessária para a constituição da inteligência. […] (Piaget, 1994, p. 129).
Dessa forma, escuta, afetividade e inteligência estão intimamente ligados. Sem escuta, não há afeto, sem afeto não há aprendizagem. Wallon, em sua teoria psicogenética, aponta que a afetividade e a inteligência estão estreitamente relacionadas, de forma que as emoções vão, ao longo do desenvolvimento infantil, possibilitando que o cognitivo se desenvolva e a criança aprenda. Essa ideia da forte relação entre afetividade e aprendizagem também é defendida de alguma maneira por Piaget, Paulo Freire e Vygotsky em suas pesquisas.
Vygotsky ainda destaca a importância do convívio social nessa teia de relações. Corroborando com essa informação, Yves de La Taille (1992, p.11) diz que “[…] a inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas. “Mas se sabemos que as interações sociais são importantes porque nos ajudam a desenvolver a afetividade e, consequentemente, o cognitivo, não temos motivos para negligenciá-las. Pelo contrário, devemos valorizá-las em nosso discurso, em nossos diálogos escola-família e, o mais importante, em nossa prática diária com as crianças.
Vivemos em uma sociedade de “relações líquidas”, conceito trazido por Bauman e amplamente difundido nos dias atuais por se encaixar tão bem para definir as relações superficiais e passageiras que temos construído. Dessa forma, torna-se ainda mais importante estabelecer com as crianças desde cedo relações onde se tenha confiança, parceria, escuta atenta, onde possamos afetar e nos permitir ser afetados, e assim possamos ter aprendizagens coletivas significativas.
A escuta do silêncio das crianças
No caso da Educação Infantil, surge uma questão: como escutar toda a complexidade das crianças se elas muitas vezes não verbalizam as suas necessidades? Crianças podem ainda não saber falar ou não saber como falar aquilo que querem. Entra aí o papel fundamental das educadoras: a escuta do silêncio. Que perpassa pela escuta dos olhares, dos gestos, das expressões, da subjetividade do não dito.
Sendo assim, entendemos a escuta “[…] como metáfora da disponibilidade, da sensibilidade para escutar e ser escutado; escuta não só com a audição, mas com todos os sentidos: visão, tato, olfato, paladar, orientação. ” (Rinaldi, 2014, p. 82). Escutar com todos os sentidos e também todas as linguagens pelas quais as crianças se expressam pressupõe um olhar cuidadoso e atento. Essa forma de educar vai de encontro com o mundo acelerado e superficial em que vivemos e busca um respiro, uma pausa, uma desaceleração para estar verdadeiramente presente.
Entendemos que falar sobre isso envolve muita subjetividade, mas não poderia ser de outra forma, porque o ser humano é subjetivo. As crianças, em especial, merecem ser escutadas em toda sua complexidade. Não adianta continuarmos insistindo numa educação tradicional, objetiva, que trata todos como iguais e valoriza a repetição e a memorização descontextualizada. Cada criança é um ser único que precisa ser ouvido e levado em conta em suas necessidades específicas.
Se queremos que as crianças se tornem adultos pensantes, críticos e atuantes na sociedade, temos que desde a primeiríssima infância mostrá-las que são capazes. E isso se consegue nas miudezas, nos mínimos detalhes.
Começa, por exemplo, desde a organização prévia do espaço. A educadora pensa em diversos materiais e os organiza para a exploração de diversas formas, o que possibilita que cada criança escolha por qual caminho seguir. Estimula assim a autonomia e não faz pelas crianças o que elas mesmas podem fazer. Perpassa também por um acompanhamento da educadora, que pode aparecer num olhar gentil após ver uma criança realizar uma ação positiva. Ou numa fala de valorização após uma dificuldade superada. Está também na avaliação processual, que deve levar em conta o que a criança já alcançou e todas as suas potencialidades e deve reverberar no planejamento de novas ações pedagógicas que ajudem a criança a ir além.
Tudo isso não necessariamente envolve a oralidade. Em alguns momentos ela pode aparecer – por parte da educadora ou das crianças – em outros canais. Basta um olhar, um gesto, um toque, uma pintura, uma brincadeira, uma música…são tantas as possibilidades! O importante é entender que a criança vai nos dizer coisas de diferentes maneiras e nós educadores precisamos estar preparados para escutá-las nessa diversidade, com muito afeto, cuidado e atenção.
Considerações finais
Por tudo o que foi apresentado, entendemos que escuta, afetividade e cognição são conceitos intimamente relacionados e muito importantes para o desenvolvimento infantil. A partir das discussões trazidas por Paulo Freire, Carla Rinaldi, Yves de La Taille, Piaget, Wallon e Vygostky, podemos pensar num esquema simplificado e objetivo que nos ajuda a entender a importância da escuta afetiva para a aprendizagem:
Escuta ⇒ afetividade ⇒ cognição (aprendizagem)
Sendo assim, se precisássemos de uma justificativa objetiva para a importância da escuta na Educação Infantil, poderíamos dizer que é importante escutar as crianças de uma forma sensível porque isso impacta na afetividade positiva e, consequentemente, no desenvolvimento da aprendizagem.
Conclui-se que é necessário que esse diálogo apareça com mais frequência, especialmente entre profissionais da educação e entre famílias e adultos que contribuem para a educação de crianças. E, ainda mais importante que a teoria, é preciso que vejamos reflexos da valorização da escuta na prática diária. Se conseguirmos isso na Educação Infantil, teremos crianças afetadas positivamente e por isso motivadas, saudáveis, equilibradas emocionalmente e mais inteligentes, já que vimos ao longo de todo esse percurso que tudo isso está relacionado.
Vanessa Fróes Bastos é pedagoga e atua como professora na cidade de Salvador (BA). É graduada em Pedagogia (UFBA) e pós-graduada em Psicopedagogia (UNIFACS). Desenvolveu pesquisas através do PIBIC-UFBA sobre o uso de jogos e materiais pedagógicos na alfabetização e educação infantil. Atualmente tem desenvolvido pesquisas nos campos da avaliação da aprendizagem e educação infantil. Participou do Projeto Aula GO da Fundação SM, sendo uma das jovens a desenvolver um projeto para uma escola no México com foco na resolução de conflitos e convivência pacífica.
Referências
- BAUMAN, Zygmunt (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
- DE LA TAILLE, Yves (2005). Desenvolvimento do juízo moral. In: Coleção Memória da Pedagogia: Jean Piaget. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Segmento-Dueto, v. 11.
- DE LA TAILLE, Yves; KOHL DE OLIVEIRA, Marta; DANTAS, Heloysa (1992). Piaget, Vygotsky, Wallon. Teorias PsicoGenéticas Em Discussão (25.ª edição). São Paulo: Summus.
- FREIRE, Paulo (2019). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (59ª ed). Rio de Janeiro-São Paulo: Paz e Terra.
- PIAGET, Jean (1994). O juízo moral na criança. Tradução de Elzon L. (2.ª ed.). São Paulo: Summus.
- RINALDI, Carla (2014). Documentação e avaliação: qual a relação? In: ZERO, Project. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. Tradução: Thaís Helena Bonini. (1.ª ed.). São Paulo: Phorte.