A exposição às altas temperaturas dificulta a aprendizagem

As temperaturas elevadas supõem uma ameaça para a saúde e, ainda, contribuem para uma diminuição do rendimento cognitivo e maiores riscos para a saúde mental, especialmente, entre os mais jovens, segundo um estudo internacional publicado em 30 de julho de 2025, em PLOS Climate, baseado em uma revisão sistemática sobre os efeitos a longo prazo do estresse térmico no rendimento cognitivo do corpo discente, que explora estratégias e tecnologias de adaptação desenhadas para mitigar estes impactos e examina as disparidades sociais e econômicas no efeito da exposição prolongada ao calor. O estudo sugere uma resposta coordenada: integrar o conforto térmico na planificação educativa, investir em soluções sustentáveis e promover práticas de prevenção tanto dentro quanto fora da sala de aula.
O calor dificulta a aprendizagem
O estudo, liderado por Konstantina Vasilakopoulou (Real Instituto Tecnológico de Melbourne) e Matthaios Santamouris (Universidade de Nueva Gales del Sur), recolhe dados de mais de quatorze milhões de estudantes, em 61 países, e chega à conclusão de que a exposição prolongada ao calor afeta negativamente a aprendizagem.
As altas temperaturas supõem uma séria ameaça para a saúde e bem-estar das pessoas, mas seus efeitos vão além das ondas de calor ou das doenças cardiovasculares: também afetam, de maneira profunda, o rendimento cognitivo e a aprendizagem, sobretudo, quando a exposição se prolonga durante meses ou anos. Em contextos educativos, este estresse térmico acumulativo pode traduzir-se em perdas de capacidade de atenção, memória de trabalho e resolução de problemas, com um impacto, especialmente, visível em tarefas complexas como as de Matemática.
Quando os estudantes passam longos períodos em salas de aula calorosas, sem ventilação adequada nem refrigeração, seu cérebro se vê forçado a manter um esforço adicional para regular a temperatura corporal. Esta demanda fisiológica compete com os recursos mentais necessários para processar informação, fixar conhecimento e resolver exercícios. Estudos extensos, que abrangem milhões de alunos em dezenas de países, mostram que cada dia adicional acima de uma temperatura limite – por exemplo, mais de 30ºC – se associa com uma queda medível no rendimento em exames padronizados.
O calor como fator de desigualdade educativa
O estudo mostra que o problema se agrava em ambientes desfavorecidos. As escolas com menos recursos tendem carecer de ar acondicionado ou de sistema de ventilação eficiente, e os alunos provêm de lares onde o acesso a refrigeração doméstica é limitado ou inexistente. Nestas condições, o calor se converte em um fator de desigualdade: enquanto, em escolas de maiores ingressos, os estudantes contam com aulas climatizadas, em bairros pobres, o calor se acumula durante todo o dia e as perdas de aprendizagem se acumulam aula após aula. Assim, os alunos de grupos socioeconômicos desfavorecidos sofrem uma perda de até três vezes maior que a de seus colegas de lares mais acomodados.
Estes efeitos não se limitam a momentos pontuais de exames em datas calorosas, senão que se acumulam ao longo dos anos escolares. As investigações de longo prazo revelam que a exposição a temperaturas elevadas durante um a cinco anos, antes das provas escolares, reduz o “capital cognitivo” dos estudantes, isto é, o conjunto de conhecimentos e habilidade adquiridas de maneira contínua. Cada ano adicional de calor extremo contribui a um retrocesso na trajetória de aprendizagem, com um impacto mais específico em componentes curriculares que exigem memória de trabalho e raciocínio complexo.
Um efeito mais negativo em áreas de conhecimento mais complexas
A devastação é mais pronunciada em Matemática, pois as tarefas dependem em grande medida da memória de trabalho, da atenção sustentada e de circuitos cerebrais especialmente sensíveis ao superaquecimento.
A leitura e a compreensão de textos, fundamentadas em grande parte na memória a longo prazo e em processo já automatizados, resultam menos vulneráveis. Por isso, enquanto as pontuações em linguagem podem diminuir ligeiramente, as de matemática caem em maior medida quando os alunos suportam calor extremo.
Ainda, os jovens são biologicamente mais vulneráveis ao calor que os adultos. Sua relação superfície/massa favorece um maior ganho de calor, e seus sistemas de suor ainda não funcionam com tanta eficiência. Em consequência, os estudantes dos anos iniciais e finais (6º e 7º principalmente) do Ensino Fundamental sofrem impactos cognitivos mais fortes que dos Ensino Médio e de cursos superiores. Isto significa que os efeitos do calor não estão distribuídos de forma uniforme ao longo da vida escolar, ao contrário, impactam com mais dureza nas primeiras etapas, complicando o desenvolvimento de competências básicas.
Como mitigar os efeitos
A revisão analisa duas famílias de adaptações: a aclimatação fisiológica e as melhorias nos controles ambientais. Por um lado, as pessoas que vivem em climas quentes desenvolvem certa resistência ao calor por meio de ajustes cardiovasculares e de suor. No entanto, a aclimatação tarda semanas ou meses em consolidar-se e nunca garante uma proteção total, especialmente, em níveis extremos de temperatura. Por outro lado, as soluções tecnológicas – ar acondicionado, ventiladores, maior fluxo de ar e microclimas controlados – oferecem uma barreira mais imediata ao estresse térmico, protegendo o rendimento cognitivo ao manter a temperatura corporal em zonas de conforto.
O ar acondicionado tem demostrado reduzir significativamente as perdas de rendimento em exames e atividades escolares cotidianas. Entretanto, sua implantação enfrenta dois grandes obstáculos: o consumo energético e a dificuldade de acesso. Em lares e escolas de ingressos baixos, a eletricidade pode resultar custosa ou instável; muitas famílias renunciam a usá-lo para não aumentar a fatura. As escolas públicas, em áreas desfavorecidas, tendem carecer de pressuposto para instalar ou manter sistemas climatizados. Essas carências perpetuam a desigualdade: onde mais se necessita, a refrigeração não chega.
Para resolver este paradoxo, os especialistas propõem estratégias que combinem eficiência energética e acesso fatível. Uma opção é instalar ventilação mecânica com recuperação de calor, que reduz o consumo em comparação com o ar acondicionado tradicional. Outra é projetar salas de aula orientadas ao aproveitamento de correntes de ar natural, tetos altos, beirais e materiais refletores que minimizam o ganho de calor. Também se recomenda ajustar os horários escolares para evitar as horas mais quentes do dia e aumentar as pausas ativas em ambientes frescos.
Além da infraestrutura, as políticas educativas devem priorizar a equidade térmica. Isto implica atribuir fundos adicionais às escolas de áreas mais quentes e vulneráveis, garantindo a climatização mínima necessária. Mesmo assim, é essencial capacitar diretores e professores para medidas simples de mitigação: ventilação cruzada, abertura de janelas em horários ótimos e organização de atividades ao ar livre quando a temperatura é aceitável.
Outro nível de intervenção é a sensibilização das famílias e da comunidade. Ensinar hábitos de hidratação frequente, uso de roupa leve e descansos em espaços sombreados pode diminuir o estresse térmico antes de chegar à sala de aula. Em muitos contextos, o próprio pátio escolar ou espaços comunitários frescos podem converter-se em lugares de estudo nos dias mais fortes de calor.
Riscos futuros
A revisão também adverte sobre os riscos futuros: com o aquecimento global, a frequência e intensidade das ondas de calor estão destinadas a aumentar. Sem intervenções oportunas, as perdas cognitivas se expandirão, ampliando as lacunas educacionais e enfraquecendo o capital humano de gerações inteiras. Em países em desenvolvimento, onde o uso de ar acondicionado é baixo e a infraestrutura escolar, muitas vezes, é carente de reforma, o horizonte é particularmente preocupante.
Por tanto, enfrentar o impacto do calor na aprendizagem vai além de um problema de saúde: é uma questão de justiça social e de desenvolvimento econômico. Proteger o rendimento cognitivo dos jovens equivale a salvaguardar seu potencial produtivo e seu bem-estar futuro.
Referência
- Vasilakopoulou, K; Santamouris, M (2025). Cumulative exposure to urban heat can affect the learning capacity of students and penalize the vulnerable and low-income young population: A systematic review. PLOS Clim 4(7): e0000618. https://doi.org/10.1371/journal.pclm.0000618


